terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O começo dos sonhos.

Faz tempo que eu venho pensando em maneiras de tornar as minhas idéias compreensíveis para as outras pessoas. Não sei o nível de dificuldade de uma tarefa como essa, mas imagino que não seja fácil. E isso não se deve simplesmente ao fato de o meu mundo ser substancialmente complexo, mas também à dificuldade de traduzir as impressões que eu tenho sobre a maioria das coisas. Gosto de precisão. E isso me torna inerte, um fardo para mim mesmo, eu diria.
Vivo na arte de conviver com minhas intransitividades. Tenho lapsos de felicidade extrema e tristeza profunda. Canto no chuveiro, dou boa noite para o jornalista engravatado, sou vítima constante da Lei de Murphy e bebo água para embriagar a minha alma. Falo sozinho na rua e não acredito na morte de Michael Jackson.
No começo do dia, sou apenas mais um ser eletrônico no meio da correria da Rio Branco. Quantos táxis e bancos, quantas gravatas e damas distintas. E quanta pirataria aos nossos olhos nessa avenida tão central! Sim, a pirataria está em nós e a pirataria somos nós. Temos alma made in china na era das revoluções culturais à la Ivete, à la Gaga, à la meu bom Alá. No Carnaval, enfeites pela avenida.
O dia passa. A bateria do iPod acaba. O silêncio dos outros ameaça a minha festa particular. Converso com alguns, tomo café para passar o tempo, imagino como deve ser ter a vida de empresário, presidente, cientista e guia turístico. Mas me surpreendo no alto da minha vassoura e volto a ser um eletrônico sem bateria.
O chão treme, o alarme toca. É incêndio no prédio vizinho, grita a moça que passava pela janela em seu holograma. E todos se refugiam nos terabytes de seus emails. De repente, apagão. Memórias se apagam, vidas se desfazem.
De repente eu acordo. Foi um sonho. Dormi na mesa de trabalho e já são 10 para as 5. Ajeito o meu material e não dou um minuto grátis ao patrão que anda mais estressado desde que começou o caso com a secretária loira e desqualificada. Tomo o elevador do trigésimo terceiro.
Paro num bar da rua transversal e peço uma água sem gás, sem gelo e sem contaminações aparentes. Fico ali rodando junto com a Terra até ter um sentimento. Lembro-me da demonstração do Teorema de Cauchy, das últimas eleições, penso na evolução do país e da sociedade. E então passa um jovem com uma camisa onde se lia "I love NY". Eu o chamo discretamente. Ele se aproxima com educação e resignação. Não digo nada, apenas choro. Choro com força. No abatimento que me toma, minha alma se sobrepõe ao meu corpo inerte na cadeira de metal. Conto até três e desmaio. Quando abro os olhos e encontro-me saindo do elevador. Sonhei novamente, pensei.
Dirigi-me então ao bar onde eu estive há tão pouco tempo. Sentei-me na cadeira de onde caí. Pedi a água que já havia bebido, e também a mesma ausência de gás, de gelo e de contaminantes. Senti-me estranho ao ver um jovem com uma camisa onde se lia dessa vez "Eu amo o Rio". Cheguei a duvidar do que via. Um contentamento agitou a minha realidade. Eu novamente o chamo. Ele atende da mesma forma. Novamente eu não digo nada, apenas rio. Rio com força. Foi quando eu entendi. Eureka! Era mais do que um sonho e era mais que realidade. Era o absoluto.
No fim da noite, eu sou humano na Rio Branco. Ser humano completo, de baterias carregadas. Junto-me à multidão que segue para casa.
Abro a porta de casa e encontro vocês aqui no meu sofá virtual, onde conversaremos até o dia nascer para então descobrirmos um novo Brasil em meio a esse sol que sempre nos iluminou.
Um brinde.

Sergio Mello.

9 comentários:

  1. Sérgio!! :O adorei a cronica, bem sensivel e profunda :)
    escreva mais por favor ;)
    bjosssss

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  2. Não sabia que você atacava nessa área também meu amigo! Ficou muito bom! Parabéns!
    Um grande abraço!

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  3. Sérgio.. incrível, incrível! Que bom ver que podemos ser tanto ao mesmo tempo. Eu gosto disso, de ver que sensibilidade pode coexistir com razão, que podemos ser coisas aparentemente opostas e que na verdade o que forma a gente é contradição! : ))

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  4. Realmente impressionante!
    Parabéns, cara, espero ansiosamente pelas próximas postagens.

    Abraços,
    Villard

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  5. Você faz jogos muito bons com as palavras.

    Lucas Braune

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  6. você leva muito jeito pra escrever.. me surpreendeu!

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  7. Impressionantemente bom!

    A sua narrativa tem muita personalidade.
    Muito bom mesmo! Parabéns!

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  8. ai lek sacanagem não, larga a matematica e vai ser escritor de auto-ajuda........eheheheheheh

    se num consegue exprimir as tuas ideias contrata um engenheiro, e paga o olho da cara pra ele fazer isso!!!ahuauhuhauhauhauhahuahuauha

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